Rodrigo
Iennaco de Moraes
Senhores
Eu vos devia há muito esta visita
que, sendo uma prova de gratidão à vossa gentileza para comigo e de apreço à
distinção do vosso chamado, é ainda a condição, segundo a pragmática, para a
efetividade da minha honrosa investidura.
Acompanhando-vos, de longe, em
atitude de simpático respeito, desde que pela primeira vez vos reunistes, eu
tinha o desejo, que temia ao mesmo tempo ver realizado, de vir colaborar
convosco no cumprimento de um programa, que é tão sedutor pela glória do seu
objeto, quanto árduo pela competência que ele exige nos seus executores.
Fundada a Academia, não houve
quem duvidasse ser ela destinada a guardar o precioso tesouro da nossa língua e
do bom gosto da sua forma literária.
Também não se duvida ter a nossa
língua capacidade para abranger o pensamento humano em todas as suas energias e
gradações e a civilização em todas as suas faces. O elastério e a plasticidade
da sua forma, capaz de adaptar-se a qualquer assunto; a riqueza e a variedade
do seu vocabulário, para representar todos os objetos e ideias; a sonoridade da
sua fonia, eco musical dos diversos aspectos da natureza; o seu valor, ao mesmo
tempo simbólico e material, das coisas que exprime; a rigidez lapidária, que
por vezes manifesta, como reminiscência perpétua da língua latina, são
qualidades que lhe devem assegurar um lugar permanente na cultura universal.
Com ela se erigiu o poema dos Lusíadas, e material de que se faz
tal obra de arte está à prova de séculos e de fronteiras. É na verdade uma obra
“imortal” a vossa, ainda sem a preocupação, que a malícia lhe entreveja, da
imortalidade dos seus autores; porque ela é a eternização da pátria na
coeficiência da sua mais alta cultura na cristalização perene da sua alma.
Com essas
palavras, Antônio Augusto de Lima, patrono da cadeira n. 18 da Academia
Leopoldinense de Letras e Artes, iniciou seu discurso de posse na Academia
Brasileira de Letras, em dezembro de 1907, quatro anos após a sua eleição, sob
a presidência de Machado de Assis.
Augusto de
Lima, poeta e magistrado, nasceu em Congonhas de Sabará [hoje Nova Lima], MG,
em abril de 1859, iniciando seu curso de humanidades no Seminário de Mariana,
onde teve como professor de Latim o então Pe. Silvério Gomes Pimenta, mais
tarde arcebispo de Mariana. Cursando depois o Seminário do Caraça, desistiu de
ser padre e foi prestar os exames preparatórios em Ouro Preto. Em 78, ingressou
na Faculdade de Direito de São Paulo. Fundou, em 1880, a Revista de Ciências e
Letras. Obteve o título de bacharel em 1882, tendo, durante o curso, exercido o
jornalismo, no qual se mostrou propagandista das ideias da República e da
Abolição. Passou a colaborar na imprensa, sobretudo no jornal O Imparcial, às vezes
sob os pseudônimos.
Voltou a
Minas, onde foi nomeado promotor do Termo de Leopoldina, e, em 1885, era juiz
municipal de Leopoldina[1]. Em 1889, foi nomeado promotor de direito de
Conceição da Serra, no Espírito Santo, onde permaneceu até 1890, quando deveria
seguir, no mesmo posto, para Dores de Boa Esperança, em Minas, mas logo foi
escolhido para chefe de polícia do Estado, em Ouro Preto.
Agitava-se,
naquela ocasião, o problema da mudança da capital do Estado de Minas, e a tese
de Augusto de Lima era a de que a nova capital devia ser instalada no antigo
Curral de El Rei, depois Belo Horizonte, ponto de vista que era também o do
Barão de Lucena, ministro da Justiça. Foi nomeado presidente do Estado, mas não
quis, por si só, fazer a mudança do governo, e submeteu o assunto ao Congresso
Constituinte, e só três anos depois, em 1898, transferiu-se para Belo Horizonte
a capital do Estado. Augusto de Lima deu o seu nome a uma das mais belas
avenidas de Belo Horizonte. Deixando o governo do Estado, voltou Augusto de
Lima ao seu posto de juiz, servindo na capital. Ao fundar-se a Faculdade de
Direito de Minas Gerais, foi escolhido para ser um dos professores, indo reger
a cadeira de Filosofia do Direito, acumulando com o cargo de diretor do Arquivo
Público, até 1910. Nesse ano, foi eleito deputado federal pelo seu Estado,
sendo reeleito em várias legislaturas. Na campanha política de 1929-1939, da
qual resultou a vitória da revolução, teve parte relevante, pronunciando
memoráveis discursos. Em 1934, foi eleito para a Assembleia Constituinte, e
dela fazia parte, quando teve de submeter-se a uma cirurgia, vindo a falecer,
fato ocorrido no Rio de Janeiro, em 22 de abril de 1934.
Augusto de
Lima se casou com Vera Monteiro de Barros Suckow de Lima na “Fazenda de Sans
Souci”, em Leopoldina, dias depois da abolição da escravatura, em 22 de junho
de 1888, dia do aniversário dela de 18 anos. Assim o 22 de junho tornou-se a
data máxima das comemorações da família. Conta-se que ela guardara a vela do
bolo de casamento e a acendia todos os anos na hora do Parabéns. Como morreu
octogenária, no último ano - 1958 - a vela quase não existia e, pífia,
bruxuleou e apagou-se de vez, sob os olhares silenciosos dos presentes... Ela
gostava de contar que, após a cerimônia, o casal foi à senzala, ainda em festas
por causa da abolição, onde foram homenageados com um batuque que ela fazia
questão de dançar! Em manuscrito deixado por ela, pode-se ler um retrato da
Leopoldina de então:
Leopoldina em 1886 era uma cidade
onde famílias conviviam estreitamente, trocando ideias adiantadas sobre arte em
geral e, sobretudo, sobre música. Dançava-se muito.
Havia no perímetro urbano 21
homens formados. Advogados, médicos e engenheiros. Canuto de Figueiredo, juiz
de Direito, o próprio Augusto de Lima, juiz Municipal, José Maria Vaz Pinto,
promotor, Pestana de Aguiar, Paula Ramos, Carvalho Rezende, Eduardo Magalhães,
Gabriel Magalhães, Aristides Almeida. Francisco C. Fernandes, Christovam Malta
Garcia e Octávio Ottoni, este último médico de nomeada e amigo íntimo,
companheiro de casa de Augusto de Lima.
Dr. Gustavo de Suckow,
fazendeiro, proprietário da célebre fazenda Sans-Souci, chamada o ‘bijou da
mata’, ia frequentes vezes à cidade com a família: a senhora e duas filhas
moças.
O Octavio Ottoni era baixo e
gordo, contrastando fisicamente com Augusto de Lima, que era alto e magro. O
Dr. Suckow, muito amigo de ambos, deu a um o apelido de D. Quixote e ao outro o
de Sancho Pança. E como Augusto de Lima possuía um cavalo castanho para suas
incursões na Fazenda, foi este chamado Rocinante.
O Natal em Sans-Souci era
tradicional. Pessoas da Corte iam gozar de uns dias de férias, desde o Natal
até o Ano Bom. Homens de imprensa, políticos, artistas, eram recebidos e
hospedados fidalgamente. Os perus, carneiros, etc., faziam as delícias
culinárias e a adega era afamada. Tudo o que havia de fino em bebidas, até os
famosos vinhos raji e tokay, fazia as delícias dos hóspedes.
O sol já invadia a sala e os pares ainda giravam na valsa
estonteadora. Depois, ia-se para o pomar, comer frutas, pêssegos, mangas, uvas,
e as bandejas de prata traziam o delicioso café para as mesas debaixo das
árvores. Depois do café, cada qual se recolhia, até a hora do almoço. Durante o
dia, jogavam-se cartas, prendas, enfim, descansava-se, para de noite recomeçar
as danças. As ceias eram famosas! Havia inclusive uma banda de músicos-escravos
para brilho das festas e das corridas de cavalo.
O
primogênito filho do casal, Augusto de Lima Jr., renomado historiador, nasceu
em nossa terra, para onde aportara o pai. Em 1948, em foto de Augusto de Lima
Junior, a fazenda aparece com aspecto abandonado, mato crescido... No tempo do
Dr. Gustavo de Suckow era uma beleza – havia um lago onde singravam cisnes e um
roseiral com mudas que vinham de Versalhes - como registrou, em versos, D. Vera
Suckow de Lima, esposa de Augusto de Lima:
SANS SOUCI
Vejo-te em sonho, minha estância
amiga,
onde vivi meus dias mais felizes
à luz de um céu de anil, sob um
sol de ouro,
ouvindo os gritos dos anuns
travessos
no campo verde, à margem da
corrente...
Que é feito dessa graça, desse
encanto
que a saudade embeleza e
ressuscita,
Sans-Souci, Sans-Souci!
Na varanda, estendida frente a
frente,
trepadeiras azuis, entrelaçadas,
balançando-se á brisa, como as
asas
de leves borboletas...
Bandos de pombos recortando os
ares,
enchendo e colorindo a limpidez
das tardes cristalinas,
transparentes...
Cor de rosa, florido bougainville
debruçado no lago de águas
quietas
que, altivo, o cisne branco vai
sulcando...
Cachos de ouro de velho ouricori,
beijados pela aragem...
Lamento, chôro dos nhambus na
verde
e cheirosa capoeira,
junto ás carreiras do café
maduro...
Queixa suave, balido das ovelhas,
buscando o aprisco ao descambar
do dia...
Tudo ouço e vejo em sonho... só
não vejo,
Sans Souci - que saudade! - os
teus caminhos
que eu percorria em loucas
alegrias
e onde cantavam os sabiás da
mata...
Disse o poeta: - os caminhos
também morrem...
Teus caminhos morreram para mim.
É de Augusto
de Lima o seguinte soneto, em que faz referência implícita ao seu tempo em
Leopoldina:
VOLTA AO PASSADO
Quis rever em memória o santo
abrigo
Onde deixei as ilusões dormindo.
"Vou despertá-las",
murmurei, partindo,
"E hei de trazê-las outra
vez comigo".
Nova e última ilusão. No sítio
antigo,
jardim outrora florescente e
lindo,
já ninguém dorme. Tudo é morto e
findo.
Só de cada ilusão resta um
jazigo:
Campas sem epitáfio... Agora é
tudo
um cemitério pavoroso e mudo,
bem que inda de flores se
alcatife.
E dos ciprestes na última
avenida,
vejo a última ilusão que me
convida,
martelando nas tábuas de um esquife!
Vê-se, pois,
que embora ancorados em estilos diferentes, AUGUSTO DE LIMA compartilha com
AUGUSTO DOS ANJOS a preferência nostálgica pela morte. Em Augusto dos Anjos,
encontramos, em referência ao Tamarindo da sua infância:
VOZES DA MORTE
Agora, sim! Vamos morrer,
reunidos,
tamarindo de minha desventura,
tu, com o envelhecimento da
nervura,
eu, com o envelhecimento dos
tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos
Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa
futura
ultrafatalidade de ossatura,
a que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas
sementes!
E assim, para o Futuro, em
diferentes
florestas, vales, selvas, glebas,
trilhos,
na multiplicidade dos teus ramos,
pelo muito que em vida nos
amamos,
depois da morte, inda teremos filhos!
São de Antônio Augusto de Lima os versos seguintes:
RISO E PRANTO
Duas frações o grande todo humano
encerra: uma que ri, outra que
chora.
Dúplice monstro, contrastando
Jano,
tem numa face - a noite e noutra
- a aurora.
Mas em seu seio eternamente mora,
como o pólipo no profundo oceano,
a dor que o riso mentiroso
inflora,
a mesma dor que verte o pranto
insano.
Basta que riso ou lágrima ressume
da contração de um músculo irritado,
temos amor, pesar, ódio ou ciúme.
Nem sempre o riso é uma expressão
de agrado,
e às vezes quem mais chora se
presume
feliz, por parecer mais desgraçado
Nos versos de
Rodrigo Iennaco, a simbiose de ambos:
SAUDADE
Saudade da poesia que habitava
meus versos
meus sonhos de amor
Mmeu choro
saudade do meu coração que foi
embora...
- Quantas vezes falaram de amor,
de saudade, de dor...
É por isso que agora eu canto
em poesia pobre
mas com dor
com alma e com luz
porque o que ilumina meu mundo
é a escuridão do coração
solitário.
Eu sofro (e por sofrer eu canto).
Quando acaba a dor
a voz é muda.
Só resta o pranto.
NOTA DO TEXTO:
[1] Em julho de 1872, foi criada a Comarca de Leopoldina. Tempos
antes, em 1855, já se previa para o termo de Leopoldina a figura do Juiz
Municipal. Não é tarefa fácil imaginar a vida na Leopoldina de então,
recém-elevada de freguesia do Arraial do Feijão Cru a Vila, depois a Cidade.
Francisco de Paula Ferreira de Rezende, no livro “Minhas Recordações”,
refere-se à Leopoldina que o acolheu, como “Pequenina Roma”. No prefácio da
reedição da mesma obra, o Desembargador Manoel Maria Paiva de Vilhena trata Leopoldina
como “senão a primeira, uma das primeiras matrizes culturais da zona da mata”.
Discurso proferido pelo acadêmico
Rodrigo Iennaco de Moraes
no dia 8 de dezembro de 2011
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