Cadeira nº 18: Antônio Augusto de Lima

Palavras sobre Augusto de Lima

Rodrigo Iennaco de Moraes

Senhores
Eu vos devia há muito esta visita que, sendo uma prova de gratidão à vossa gentileza para comigo e de apreço à distinção do vosso chamado, é ainda a condição, segundo a pragmática, para a efetividade da minha honrosa investidura.
Acompanhando-vos, de longe, em atitude de simpático respeito, desde que pela primeira vez vos reunistes, eu tinha o desejo, que temia ao mesmo tempo ver realizado, de vir colaborar convosco no cumprimento de um programa, que é tão sedutor pela glória do seu objeto, quanto árduo pela competência que ele exige nos seus executores.
Fundada a Academia, não houve quem duvidasse ser ela destinada a guardar o precioso tesouro da nossa língua e do bom gosto da sua forma literária.
Também não se duvida ter a nossa língua capacidade para abranger o pensamento humano em todas as suas energias e gradações e a civilização em todas as suas faces. O elastério e a plasticidade da sua forma, capaz de adaptar-se a qualquer assunto; a riqueza e a variedade do seu vocabulário, para representar todos os objetos e ideias; a sonoridade da sua fonia, eco musical dos diversos aspectos da natureza; o seu valor, ao mesmo tempo simbólico e material, das coisas que exprime; a rigidez lapidária, que por vezes manifesta, como reminiscência perpétua da língua latina, são qualidades que lhe devem assegurar um lugar permanente na cultura universal.
Com ela se erigiu o poema dos Lusíadas, e material de que se faz tal obra de arte está à prova de séculos e de fronteiras. É na verdade uma obra “imortal” a vossa, ainda sem a preocupação, que a malícia lhe entreveja, da imortalidade dos seus autores; porque ela é a eternização da pátria na coeficiência da sua mais alta cultura na cristalização perene da sua alma.
Com essas palavras, Antônio Augusto de Lima, patrono da cadeira n. 18 da Academia Leopoldinense de Letras e Artes, iniciou seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em dezembro de 1907, quatro anos após a sua eleição, sob a presidência de Machado de Assis.
Augusto de Lima, poeta e magistrado, nasceu em Congonhas de Sabará [hoje Nova Lima], MG, em abril de 1859, iniciando seu curso de humanidades no Seminário de Mariana, onde teve como professor de Latim o então Pe. Silvério Gomes Pimenta, mais tarde arcebispo de Mariana. Cursando depois o Seminário do Caraça, desistiu de ser padre e foi prestar os exames preparatórios em Ouro Preto. Em 78, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo. Fundou, em 1880, a Revista de Ciências e Letras. Obteve o título de bacharel em 1882, tendo, durante o curso, exercido o jornalismo, no qual se mostrou propagandista das ideias da República e da Abolição. Passou a colaborar na imprensa, sobretudo no jornal O Imparcial, às vezes sob os pseudônimos.
Voltou a Minas, onde foi nomeado promotor do Termo de Leopoldina, e, em 1885, era juiz municipal de Leopoldina[1]. Em 1889, foi nomeado promotor de direito de Conceição da Serra, no Espírito Santo, onde permaneceu até 1890, quando deveria seguir, no mesmo posto, para Dores de Boa Esperança, em Minas, mas logo foi escolhido para chefe de polícia do Estado, em Ouro Preto.
Agitava-se, naquela ocasião, o problema da mudança da capital do Estado de Minas, e a tese de Augusto de Lima era a de que a nova capital devia ser instalada no antigo Curral de El Rei, depois Belo Horizonte, ponto de vista que era também o do Barão de Lucena, ministro da Justiça. Foi nomeado presidente do Estado, mas não quis, por si só, fazer a mudança do governo, e submeteu o assunto ao Congresso Constituinte, e só três anos depois, em 1898, transferiu-se para Belo Horizonte a capital do Estado. Augusto de Lima deu o seu nome a uma das mais belas avenidas de Belo Horizonte. Deixando o governo do Estado, voltou Augusto de Lima ao seu posto de juiz, servindo na capital. Ao fundar-se a Faculdade de Direito de Minas Gerais, foi escolhido para ser um dos professores, indo reger a cadeira de Filosofia do Direito, acumulando com o cargo de diretor do Arquivo Público, até 1910. Nesse ano, foi eleito deputado federal pelo seu Estado, sendo reeleito em várias legislaturas. Na campanha política de 1929-1939, da qual resultou a vitória da revolução, teve parte relevante, pronunciando memoráveis discursos. Em 1934, foi eleito para a Assembleia Constituinte, e dela fazia parte, quando teve de submeter-se a uma cirurgia, vindo a falecer, fato ocorrido no Rio de Janeiro, em 22 de abril de 1934.
Augusto de Lima se casou com Vera Monteiro de Barros Suckow de Lima na “Fazenda de Sans Souci”, em Leopoldina, dias depois da abolição da escravatura, em 22 de junho de 1888, dia do aniversário dela de 18 anos. Assim o 22 de junho tornou-se a data máxima das comemorações da família. Conta-se que ela guardara a vela do bolo de casamento e a acendia todos os anos na hora do Parabéns. Como morreu octogenária, no último ano - 1958 - a vela quase não existia e, pífia, bruxuleou e apagou-se de vez, sob os olhares silenciosos dos presentes... Ela gostava de contar que, após a cerimônia, o casal foi à senzala, ainda em festas por causa da abolição, onde foram homenageados com um batuque que ela fazia questão de dançar! Em manuscrito deixado por ela, pode-se ler um retrato da Leopoldina de então:

Leopoldina em 1886 era uma cidade onde famílias conviviam estreitamente, trocando ideias adiantadas sobre arte em geral e, sobretudo, sobre música. Dançava-se muito.
Havia no perímetro urbano 21 homens formados. Advogados, médicos e engenheiros. Canuto de Figueiredo, juiz de Direito, o próprio Augusto de Lima, juiz Municipal, José Maria Vaz Pinto, promotor, Pestana de Aguiar, Paula Ramos, Carvalho Rezende, Eduardo Magalhães, Gabriel Magalhães, Aristides Almeida. Francisco C. Fernandes, Christovam Malta Garcia e Octávio Ottoni, este último médico de nomeada e amigo íntimo, companheiro de casa de Augusto de Lima.
Dr. Gustavo de Suckow, fazendeiro, proprietário da célebre fazenda Sans-Souci, chamada o ‘bijou da mata’, ia frequentes vezes à cidade com a família: a senhora e duas filhas moças.
O Octavio Ottoni era baixo e gordo, contrastando fisicamente com Augusto de Lima, que era alto e magro. O Dr. Suckow, muito amigo de ambos, deu a um o apelido de D. Quixote e ao outro o de Sancho Pança. E como Augusto de Lima possuía um cavalo castanho para suas incursões na Fazenda, foi este chamado Rocinante.
O Natal em Sans-Souci era tradicional. Pessoas da Corte iam gozar de uns dias de férias, desde o Natal até o Ano Bom. Homens de imprensa, políticos, artistas, eram recebidos e hospedados fidalgamente. Os perus, carneiros, etc., faziam as delícias culinárias e a adega era afamada. Tudo o que havia de fino em bebidas, até os famosos vinhos raji e tokay, fazia as delícias dos hóspedes.
O sol já invadia a sala e os pares ainda giravam na valsa estonteadora. Depois, ia-se para o pomar, comer frutas, pêssegos, mangas, uvas, e as bandejas de prata traziam o delicioso café para as mesas debaixo das árvores. Depois do café, cada qual se recolhia, até a hora do almoço. Durante o dia, jogavam-se cartas, prendas, enfim, descansava-se, para de noite recomeçar as danças. As ceias eram famosas! Havia inclusive uma banda de músicos-escravos para brilho das festas e das corridas de cavalo.
O primogênito filho do casal, Augusto de Lima Jr., renomado historiador, nasceu em nossa terra, para onde aportara o pai. Em 1948, em foto de Augusto de Lima Junior, a fazenda aparece com aspecto abandonado, mato crescido... No tempo do Dr. Gustavo de Suckow era uma beleza – havia um lago onde singravam cisnes e um roseiral com mudas que vinham de Versalhes - como registrou, em versos, D. Vera Suckow de Lima, esposa de Augusto de Lima:

SANS SOUCI
Vejo-te em sonho, minha estância amiga,
onde vivi meus dias mais felizes
à luz de um céu de anil, sob um sol de ouro,
ouvindo os gritos dos anuns travessos
no campo verde, à margem da corrente...
Que é feito dessa graça, desse encanto
que a saudade embeleza e ressuscita,
Sans-Souci, Sans-Souci!
Na varanda, estendida frente a frente,
trepadeiras azuis, entrelaçadas,
balançando-se á brisa, como as asas
de leves borboletas...
Bandos de pombos recortando os ares,
enchendo e colorindo a limpidez
das tardes cristalinas, transparentes...
Cor de rosa, florido bougainville
debruçado no lago de águas quietas
que, altivo, o cisne branco vai sulcando...
Cachos de ouro de velho ouricori,
beijados pela aragem...
Lamento, chôro dos nhambus na verde
e cheirosa capoeira,
junto ás carreiras do café maduro...
Queixa suave, balido das ovelhas,
buscando o aprisco ao descambar do dia...
Tudo ouço e vejo em sonho... só não vejo,
Sans Souci - que saudade! - os teus caminhos
que eu percorria em loucas alegrias
e onde cantavam os sabiás da mata...
Disse o poeta: - os caminhos também morrem...
Teus caminhos morreram para mim.
É de Augusto de Lima o seguinte soneto, em que faz referência implícita ao seu tempo em Leopoldina:

VOLTA AO PASSADO
Quis rever em memória o santo abrigo
Onde deixei as ilusões dormindo.
"Vou despertá-las", murmurei, partindo,
"E hei de trazê-las outra vez comigo".

Nova e última ilusão. No sítio antigo,
jardim outrora florescente e lindo,
já ninguém dorme. Tudo é morto e findo.
Só de cada ilusão resta um jazigo:

Campas sem epitáfio... Agora é tudo
um cemitério pavoroso e mudo,
bem que inda de flores se alcatife.

E dos ciprestes na última avenida,
vejo a última ilusão que me convida,
martelando nas tábuas de um esquife!
Vê-se, pois, que embora ancorados em estilos diferentes, AUGUSTO DE LIMA compartilha com AUGUSTO DOS ANJOS a preferência nostálgica pela morte. Em Augusto dos Anjos, encontramos, em referência ao Tamarindo da sua infância:

VOZES DA MORTE
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
tamarindo de minha desventura,
tu, com o envelhecimento da nervura,
eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
ultrafatalidade de ossatura,
a que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

na multiplicidade dos teus ramos,
pelo muito que em vida nos amamos,
depois da morte, inda teremos filhos!
São de Antônio Augusto de Lima os versos seguintes:

RISO E PRANTO
Duas frações o grande todo humano
encerra: uma que ri, outra que chora.
Dúplice monstro, contrastando Jano,
tem numa face - a noite e noutra - a aurora.

Mas em seu seio eternamente mora,
como o pólipo no profundo oceano,
a dor que o riso mentiroso inflora,
a mesma dor que verte o pranto insano.

Basta que riso ou lágrima ressume
da contração de um músculo irritado,
temos amor, pesar, ódio ou ciúme.

Nem sempre o riso é uma expressão de agrado,
e às vezes quem mais chora se presume
feliz, por parecer mais desgraçado
Nos versos de Rodrigo Iennaco, a simbiose de ambos:

SAUDADE
Saudade da poesia que habitava meus versos
meus sonhos de amor
Mmeu choro
saudade do meu coração que foi embora...

- Quantas vezes falaram de amor,
de saudade, de dor...

É por isso que agora eu canto
em poesia pobre
mas com dor
com alma e com luz
porque o que ilumina meu mundo
é a escuridão do coração solitário.

Eu sofro (e por sofrer eu canto).
Quando acaba a dor
a voz é muda.

Só resta o pranto.
NOTA DO TEXTO:

[1] Em julho de 1872, foi criada a Comarca de Leopoldina. Tempos antes, em 1855, já se previa para o termo de Leopoldina a figura do Juiz Municipal. Não é tarefa fácil imaginar a vida na Leopoldina de então, recém-elevada de freguesia do Arraial do Feijão Cru a Vila, depois a Cidade. Francisco de Paula Ferreira de Rezende, no livro “Minhas Recordações”, refere-se à Leopoldina que o acolheu, como “Pequenina Roma”. No prefácio da reedição da mesma obra, o Desembargador Manoel Maria Paiva de Vilhena trata Leopoldina como “senão a primeira, uma das primeiras matrizes culturais da zona da mata”.


Discurso proferido pelo acadêmico
Rodrigo Iennaco de Moraes
no dia 8 de dezembro de 2011

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