Cadeira nº 21: Ascânio Lopes

Por Begma Tavares

Ilustríssimo Sr. Dr. Ronald Alvim Barbosa, em nome de quem cumprimento os demais membros desta academia, caros amigos e demais convidados aqui presentes. Nesta fala, que não será muito longa, gostaria, inicialmente, de declarar que me sinto honrada com o convite para ser um membro da ALLA, instituição que reúne pessoas admiráveis por um atributo em particular - o gosto pelo conhecimento – pessoas que certamente descobriram que o Conhecimento é Liberdade e por isso a ele se dedicaram, pelo exercício da leitura, das Letras e das Artes. O poeta Ascânio Lopes, a quem homenageio hoje como meu patrono, em texto sobre o escritor irlandês Oscar Wilde, define o “desejo do saber” como “o mais perigoso dos vícios”. É verdade, o desejo do saber é um vício e é perigoso porque é transformador. E é como testemunha do quanto o conhecimento pode transformar nossa vida que celebro a existência de uma academia de letras e artes na minha cidade, desejando que este espaço - pela promoção da cultura, das artes e da leitura - fomente a mudança. 
Agradeço, portanto, à ALLA o convite que me foi feito. Espero, ocupando este lugar, contribuir para que outros leopoldinenses possam descobrir a leitura, usufruir dessa experiência formadora e humanizadora, experiência que, inegavelmente, transformou a minha vida. A imersão no universo da tipografia - hoje, quase uma magia, se comparada à tecnologia digital – foi, sem dúvida, um dos motivos que me aproximou do livro. Sou de uma família de tipógrafos e aproveito a ocasião para declarar minha admiração por essa bela profissão, tão vinculada ao universo das letras. Mas há um outro motivo bastante determinante que fez de mim uma leitora: o fato de ter convivido com professores que me revelaram o valor da leitura. Ter dois destes professores aqui hoje – a profª. Maria José Ladeira Garcia e o prof. Luis de Melo Sobrinho – torna este momento ainda mais especial. A eles o meu agradecimento.  
Cabe-me, como membro da ALLA, a escolha de um patrono, um “padrinho” e “protetor” simbólico, alguém a quem admire por uma obra, por uma iniciativa ou pela defesa de uma causa. A escolha de Ascânio Lopes, que já mencionei, pretende aqui representar minha homenagem a um movimento protagonizado por jovens estudantes da Zona da Mata mineira, estudantes de uma escola “secundária”, que corresponde hoje ao que chamamos de “Ensino Médio”.
Sou professora há 28 anos, a maior parte deles dedicados à formação de jovens e à promoção da leitura. Os rapazes da Verde sempre chamaram minha atenção. Reunidos num grêmio, numa associação escolar, dedicaram-se às Letras, à LITERATURA. Foram leitores e escritores atentos ao fecundo debate em torno da autonomia da arte e da literatura brasileira, cujo marco foi a Semana de Arte Moderna de 1922, evento que comemora, em 2012, seus noventa anos. 
A Semana de Arte Moderna fez barulho, provocou reações, motivou debates que buscaram, entre outras coisas - mas centralmente - “entender o Brasil”, estimulou a construção de novos projetos para a arte e a literatura brasileiras. Um desses projetos nasceu aqui entre nós, em Cataguases, há 85 anos. O grupo Verde, e a revista de mesmo nome, transportaram as discussões  centradas no eixo São Paulo-Rio-Belo Horizonte para o “interior das Minas Gerais”, num movimento que o crítico literário Agripino Grieco, em texto de 1929, chamou de “Interessantíssimo”. Os jovens da Verde, a exemplo do que fizeram os intelectuais do “centro” também escreveram o seu manifesto. Nele, se lê:
“O nosso movimento verde nasceu de um simples jornaleco da terra. Um pequeno jornalzinho com tendências modernistas que logo escandalizaram os pacatíssimos habitantes dessa meia pataca. Chegou-se mesmo a falar em bengaladas... E daí nasceu a nossa vontade firme de mostrar a esta gente toda que, embora morando em uma cidadezinha do interior, temos coragem de competir com o pessoal lá de cima.”
Os moços verdes eram, de fato, muito jovens. Seu líder, Rosário Fusco, tinha 17 anos de idade. Ascânio Lopes, sem dúvida o melhor poeta do Grupo Verde, morreu aos 23 anos. Nascido em Ubá, mudou-se ainda criança para Cataguases, onde estudou e ajudou a fundar, com 8 amigos, o movimento VERDE, que produziu , entre os anos de 1927 e 1929 cinco revistas dedicadas às letras e à literatura.  Ascânio viveu e estudou também em Belo Horizonte, onde conviveu com outros nomes das letras mineiras, como Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.
Drummond, nosso grande poeta, assim falou sobre ele, quando da sua morte:
“Tinha 23 anos e não se poderia dizer que viveu, se não fosse a poesia, que inundou o seu minuto apressado sobre a terra. Aos 23 anos, a gente só sabe da vida o que ela consente em noticiar – muito pouco – outro pouco de que se tem a intuição, e nada mais. Salvo quando o indivíduo é poeta, caso de Ascânio Lopes e dos que, como ele, conheceram a vida sem terem tido tempo de vive-la; dos que adivinharam. Os versos ascanianos dos poemas cronológicos são adivinhações, ou por outra, prêmios de loteria que o autor ganhou sem nunca ter comprado bilhete.”
Muitos dos aqui presentes reconheceriam, nos versos “modernistas” de Ascânio Lopes, a representação de sua infância, de paisagens e experiências perdidas no tempo, de costumes e modos de vida deste nosso lugar. Também por esse motivo, indico a inclusão do nome de Ascânio Lopes no conjunto de representantes das Letras e das Artes que a ALLA homenageia. Ascânio Lopes vem representar aqui os moços verdes, esse grupo de jovens estudantes dedicado à Literatura que, com ousadia e talento, fizeram história nas Letras nacionais.
Gostaria, por fim, de apresentar a vocês a poesia de Ascânio Lopes, em três poemas recolhidos do livro “Poemas cronológicos” - único livro publicado em vida – e  de “Outros poemas cronológicos”. O primeiro poema tem a irreverência dos modernistas de 22.

CENA DE UMA RUA AFASTADA

A solteirona fechou as janelas com estrépito.

Uma mocinha da escola normal passou firme, sem olhar.
Um senhor gordo disse que era uma pouca vergonha
e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
às pedradas dos garotos,
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê (meio sangue) do sr. Fagundes
continuaram impudicos no meio da rua.


 O segundo poema - especialmente belo, na minha opinião – chama-se “O tecelão”. Ascânio era filho do proletariado, tinha uma irmã e um irmão que trabalharam na indústria têxtil.

O TECELÃO

A mão do tecelão é leve
E breve, e traça iluminuras
De fios, como riscos
Suaves e ligeiros
Das aves
No ar.

Enquanto outros pensam
Em glórias, desejam
Palácios,
Riquezas,
O tecelão
Sonha com
Teares pujantes e
Tecidos fantásticos.


O terceiro chama-se 

Sertão Mineiro


Não há trigais maduros, nem canto, nem riso de vindimadores.
Mas cafezais verdes a treparem nos morros,
e arrozais a se estenderem nos alagadiços até a beira dos brejais,
e milharais simétricos,
e taboais extensos, com a paina de seda amarela a desprender-se com o vento,
e sol quente nas estradas poentas, onde passam carros chiando
e bois mansos que seguem o aboio triste do guiador,
e meninos quase nus que abrem as porteiras para os senhores que passam a cavalo.
E engenhocas de pau
e monjolos bulhentos,
e negros madraços a beberem aguardente nas vendas de beira de estrada.

Às tardes, não passam ceifeiras cantando ao sol poente,
nos caminhos brancos, desertos e nus.
Mas filas de homens lentos que voltam cansados,
com foices, machados, enxadas,
da labuta diária, do cafezal, da lavoura.

Este é o meu sertão mineiro.
Nem cantadores românticos,
nem violeiros catulos,
nem bandidos pernósticos.
Mas gente boa e ingênua, gente de Minas Gerais.


A revista verde publicou 5 volumes. Teve existência curta, morreu com Ascânio Lopes. No entanto, é preciso lembrar que muito antes da onda da ecologia, os moços mineiros da Zona da Mata foram Verdes. Essa memória estará registrada na Cadeira de nº 21, ocupada por Ascânio Lopes. 

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