Cadeira nº 19: Geraldo de Vasconcellos Barcellos

Advogado, Escritor e Professor


Nascimento: 7 de fevereiro de 1914, Alvinópolis, MG

Falecimento: 15 de outubro de 1997, Leopoldina, MG

Por José Jerônymo Ribeiro Rivera

Senhor Presidente da Academia Leopoldinense de Letras e Artes, Dr. Ronald Alvim Barbosa, Senhores Acadêmicos, Ilustres Autoridades, Senhoras e Senhores que me dão a honra de sua presença, meus amigos.

Ao tomar posse da cadeira número 19 desta Academia de Letras e Artes da minha querida Leopoldina, quero de início agradecer a honra da escolha de meu modesto nome para integrar esta grei que reúne escritores, professores, artistas, todos brilhantes profissionais das mais diversas categorias.

Aqui chegando, em companhia de meu irmão Deodato – a cuja memória peço que me permitam estender o privilégio de participar desta solenidade – no já distante ano de 1950, para continuar nossos estudos, após vários anos de perda de nossos pais, além de mais tarde cumprirmos o serviço militar, eu então com 16 anos e o mano com apenas 14, tivemos a felicidade de encontrar um ambiente altamente propício ao desenvolvimento de nosso espírito e de nossos conhecimentos, entre as figuras do saudoso diretor Monsenhor Guilherme de Oliveira, de professores de reconhecida competência e de colegas que logo se tornaram nossos amigos, com alguns dos quais mantenho até hoje fraternal convívio.

Retonando, eu em 1953 e o Deo no ano seguinte, ao Rio de Janeiro, para terminarmos, ele o clássico e eu o científico, e preparar-nos para concurso público que nos permitisse vir a ingressar em curso superior, estou certo de que o êxito que alcançamos foi devido em grande parte ao excelente aprendizado que nos foi oferecido nos poucos anos em que frequentamos esta maravilhosa casa do saber que é o nosso querido Colégio Leopoldinense, que com toda razão consideramos sempre nossa verdadeira “alma mater”.

Ao tomar conhecimento, através de nosso companheiro José do Carmo Rodrigues, da seleção de meu nome para compor este Colegiado – e fiquei feliz ao saber há pouco que o mano Deodato também já fora escolhido anteriormente -, foi-me solicitada a indicação de um Patrono nesta cadeira 19, e de imediato ocorreu-me a figura do saudoso Professor Geraldo Vasconcellos Barcellos, de quem fui aluno no 1º ano de curso científico, nas cadeiras de Português, Química e História Natural. Posteriormente, verifiquei que poderia ter escolhido, com igual merecimento, entre os demais docentes de nosso Colégio, o nome ilustre de meu Professor de Matemática Joaquim Guedes Machado, de quem fui aluno por quatro anos e que, engenheiro que também era, foi quem por primeira vez incentivou-me a seguir a mesma carreira, pois entre outras coisas eu gostava muito de sua disciplina – que por sinal, com pouco mais de dezessete anos, e ainda cursando o terceiro ano ginasial, fui convidado a lecionar, junto com rudimentos de gramática inglesa, no seminário desta diocese; e lembro que foi então, após ter ajudado alguns colegas mais novos, que tomei amor pela atividade do magistério, que terá sido a que vim exercer com maior satisfação por quase toda minha vida útil, sempre em paralelo a outras atribuições profissionais.

Pedindo desculpas aos amigos por esta digressão de caráter pessoal, quero em seguida relembrar a trajetória de meu Patrono, que tive oportunidade de visitar em uma das últimas festas de aniversário do Colégio, em companhia de Deodato, do colega e amigo Amaury Pacheco, aqui presente, vindo de Niterói, e do também ex-aluno do Professor Barcellos, o nacionalmente premiado poeta e ensaísta Anderson Braga Horta – que me deu a honra de vir de Brasília para assistir a esta solenidade -; e estou a lembrar, comovido, a satisfação do velho Mestre, então já quase sem poder ler, ao comentarmos seu belo livro de versos Para Elza – Poemas de Amor e Saudade que, capitaneados pelo Deodato, vínhamos de publicar em sua homenagem.

Geraldo de Vasconcellos Barcellos nasceu em Alvinópolis, nestas Minas Gerais, em 7 de fevereiro de 1914, filho de Manoel Cotta de Barcellos e Roselmira de Vasconcellos Barcellos. Casou-se aos 27 anos, aproximadamente, com Elza Conceição Mazzeo Barcellos, com quem viveu quase 50 anos, só não completando bodas de ouro – como narra em sua comovida apresentação do livro Para Elza -, por ter a esposa falecido em 1991. Após estudar Humanidades em Mariana, graduou-se em Farmácia e Química em Ouro Preto (1937) e em Direito em Niterói (1943). De profissão e vocação Advogado e Professor, destacou-se também como escritor –prosador, poeta, orador e conferencista, e era membro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e da Academia de Letras Marianense. Ainda jovem exerceu o magistério em Mariana e Ouro Preto (Latim, Português, História e Geografia), depois em Valença e Leopoldina (Química, História Natural, Português, Literatura Luso-Brasileira e Sociologia), e ainda em Muriaé (Filologia e Literatura Brasileira). Foi advogado penalista durante mais de quatro décadas em Leopoldina e outras cidades da região, e recebeu o título de Cidadão Leopoldinense por relevantes serviços prestados ao ensino, ao direito e à cultura. O saudoso professor faleceu em Leopoldina, com quase 84 anos de idade, em 15 de outubro de 1997, por coincidência no dia do professor, como lembrou-me sua filha.

Entre suas obras publicadas destacam-se, além do citado Para Elza, de 1996, editado no Rio de Janeiro, Na Seara do Evangelho (1959), com prefácio do Professor Lydio Machado Bandeira Mello; Alvinópolis em Literatura (1973), em colaboração; Rosas de Maio – discurso de posse na AMULMIG (1975); Momento Poético (1978), em participação; Alma e Coração – apologia ao Papa João Paulo II (1980); O poder da Palavra –oração paraninfal na Faculdade de Filosofia de Muriaé; Panorama da Literatura Alvinopolense (1992), em colaboração; e artigos, crônicas e poemas presentes nos jornais O Cruzeiro (Mariana), O Minas Gerais e O Diário (Belo Horizonte), O Valenciano (Valença) e Gazeta de Leopoldina.

Ainda como amostras da vasta produção do Professor Barcellos, encontramos referência a diversos livros de poesia inéditos, todos de títulos expressivos como Ouropel, Ritmos Diversos, Tudo Trovas, Sonetos Esparsos, Canções Efêmeras, Evanescência, Moedas Rústicas, Inania Verba, O Natal no meu Rimário, Espigas do meu Trigal, Memorial de Cantinelas, Cascalhos do meu Garimpo, Mealheiro de Ritmos, Sol no Ocaso, Relicário Profano, Musa Antiga, Acordes Montesinos, Perante o Absoluto e Última Ceifa. Ainda entre os inéditos, deixou-nos o caro Mestre diversas orações paraninfais, ente as quais Missão Social da Poesia – saudação toda em versos (Leopoldina, 1951), bem como vários trabalhos de Filologia, Bioquímica, Biologia e Direito.

Para complementar esta homenagem ao dedicado Mestre, com quem aprendi a cultivar tantos poetas de nossa língua - e que, sem dúvida, com seu exemplo, é um dos responsáveis por minha coragem de, certamente sem grande originalidade e talento, mas graças ao seu incentivo e o de poetas e amigos de então, ter-me aventurado pela senda da Literatura, e especialmente da Poesia -, peço que me permitam relembrar alguns poemas do ilustre Patrono da cadeira nº 19 desta Academia.

Assim, no livro Na Seara do Evangelho destaco o poema “In Dulci Jubilo”, que Anderson, em seu belo prefacio ao Para Elza, afirma ser [...] “um soneto cujos plangentes tercetos evocam, sem contudo imitá-lo, o Alphonsus do Setenário das Dores de Nossa Senhora

In Dulci Jubilo
Mês de Maria! Em religioso enleio
de rosas, lírios, meu sonhar se enflora...
Meu coração fez-se de plumas cheio
Para louvar-te, Mãe, Nossa Senhora!
 A própria terra enternecida agora
Hinos te eleva em doce devaneio.
Mês de Maria! A prece se afervora!
Maio tangendo as esperanças veio!
 Tudo são festas! Tudo são laudares!
O céu de novas pompas se recama...
Perfumes e orações andam nos ares!
 Mãe de Deus, Mãe dos homens, Máe das dores,
olha: a minh’alma vai tornar-se flama
na glorificação dos Teus louvores!...


Ainda em Para Elza, no comovente Posfácio que tem como epígrafe a bela afirmação de Drummond “A poesia é a ponte entre um homem e outro homem, entre o Homem e o Mistério", afirmou Deodato, após transcrever o soneto A Glória de Servir, do esmerado poeta que foi nosso Professor Barcellos: [...] “artesão emérito da palavra a serviço de valores superiores, não é de admirar que o Autor haja encontrado na palavra - ao lado do Amor e da Fé - o refúgio onde reconstruiu-se a força de viver, depois de tão duras e definitivas perdas, como as da visão e da esposa”. E quero acentuar que o poema que a seguir apresento, selecionado pelo mano para aquele livro, reflete bem a trajetória do sociólogo, cientista político e pedagogo que o Deo foi, como também a do exilado político por cerca de dezesseis anos, dedicando-se, principalmente após sua volta a nosso País, e com muito sacrifício pessoal, à causa dos humildes, especialmente dos meninos de rua; e lembro que foi ele um dos principais lutadores pela aprovação da lei que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Gloria de Servir
Servir! Eis o maior dissílabo da língua!
O termo sem igual, a palavra suprema!
A presença de Deus eu sempre aí distingo-a,
toda cheia de luz. Esse, o verbo diadema!
Servir! Fazer o bem! Perto de nós, à míngua,
não sofra o nosso irmão... Servir é o grande lema:
é lutar contra o mal, o crime, o egoísmo - íngua
no corpo social. A bondade é um poema.
Servir é trabalhar! Serve o astro no céu,
serve a concha no mar, serve o verme na lama
e serve a chuva, o sol, o vento, a areia, ao léu.
Serve a boca que fala, o cérebro que pensa,
a mão que abençoa, o coração que ama!...
Servir! Glória e prazer, ventura e recompensa!
Ao escolher um bem-lavrado soneto de meu Patrono para oferecer aos caros confrades como tributo a uma das finalidades precípuas deste cenáculo das Letras e das Artes, tenho a satisfação de ler a seguir um dos poemas que compõem a oração de paraninfo por ele proferida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Muriaé, em 1966:

A Palavra
A palavra! Eis aí a dádiva estupenda,
dom de Deus sem igual à humana criatura.
O homem por ela só a si se recomenda
e entre os seres se eleva e em luz se transfigura.
O verbo é o talismã que aos olhos tira a venda
e faz que o cego veja além da noite escura!
Eu não sei de outro bem que se iguale a esta prenda,
de outra insígnia maior, das almas na moldura.
A palavra! Eis aí nosso grande atributo,
signo do humano ser, clava da inteligência,
para a vitória, aqui, no mundo hostil e bruto.
O verbo! Eis, no tempo, o começo de tudo:
"No princípio era o verbo"... É a voz da Onisciência.
Selo de Deus em nós, eu aqui te saúdo!
Neste momento, antes de finalizar estas palavras de gratidão e de saudade, e agradecendo, em especial, além da presença e da paciência com que os Amigos me ouviram, a honra que me foi concedida de vir integrar esta Casa que eleva culturalmente o nome de nossa querida Leopoldina, peço vênia para ler, como homenagem, in memoriam, à integridade moral e permanente disposição para servir ao próximo de meu saudoso irmão Deodato Rivera - e por certo também, do Autor -, o inspirado soneto do Professor Geraldo de Vasconcellos Barcellos intitulado.

Non Omnis Moriar
Fazer o bem. A conquista da verdade
não é possível só pela razão.
Só pelo amor se salva a humanidade,
pois pelo amor foi feita a Redenção.
Faze o bem. Não te importes com a maldade,
a hipocrisia, a feia ingratidão.
Semeia sempre os frutos da bondade.
A bondade é beleza e perfeição.
Faze o bem. De viseira sempre erguida.
Ser bom é ser artista. Aí se encerra
o princípio ideal. Nenhum como este.
Seja um hino à bondade a tua vida.
Assim teu nome há de ficar na terra.
Assim não morrerás, porque viveste!

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